Estabilidade em número de contratos; equilíbrio entre capilaridade e intensidade (regiões com forte base institucional e agroindustrial concentraram recursos, enquanto outras ampliaram o número de contratos com tíquetes menores); cadeias com cooperativismo estruturado, assistência técnica atuante, compradores regulares e uma modernização seletiva que combina “menos contratos com mais valor”, o que sugere uma transição tecnológica em curso, puxada por investimentos de ciclo longo (renovação de lavouras, irrigação, pós-colheita): esses foram os principais resultados da pesquisa Pronaf e Agricultura Familiar no Brasil: uma análise dos avanços e limitações 2014-2024 realizada pelo Observatório da Agricultura Familiar da Ufes em comemoração aos 30 anos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
A pesquisa, coordenada pelo professor do Departamento de Ciências Sociais André Michelato e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (Fapes), reuniu evidências, tendências e recomendações sobre o programa, que estruturou o crédito para milhões de famílias agricultoras no país. Os dados estão publicados no e-book Pronaf e Agricultura Familiar no Brasil – Caderno Observa Vol. 5, disponível para download.
O ponto de partida foi a compreensão de quem acessa, quando acessa e onde é realizado o acesso do Pronaf no Brasil e a comparação dos dados dos últimos dez anos. “Partimos da comparação de 2014 (início da série analisada) com 2024 (marco dos 30 anos do Pronaf), olhando Brasil, regiões e cadeias produtivas (mel, arroz, café, feijão, frango, leite, suínos, trigo, soja, milho, piscicultura)”, explica Michelato.
As metodologias utilizadas foram a formação de uma base empírica utilizando séries oficiais do Banco Central do Brasil para o crédito Pronaf, em ano civil (de janeiro a dezembro), somado ao uso de indicadores comparáveis; cortes analíticos; checagens; assimetria de informação entre bancos, regiões e produtos; quebras de série ou reenquadramentos que exigem documentação cautelosa; e comparabilidade regional, que afeta a difusão do crédito e a comunicação de resultados técnicos em linguagem pública, sem perder precisão.
“A fotografia 2014-2024 mostra um Pronaf mais intenso, com mais investimentos por contratos, ainda ancorado onde há mercado, logística e organização social bem estabelecidos e, portanto, com espaço para políticas que mitiguem assimetrias territoriais e setoriais ao conectar crédito, assistência técnica e demanda organizada”, afirma.
Surpresas
Michelato conta que dois pontos chamaram a atenção dos pesquisadores: o descolamento entre quantidade e dinheiro, pois, mesmo com o número de contratos praticamente estável, o valor total contratado mais que dobrou; e a virada do mapa regional, em que o Nordeste aparece com muitos contratos, enquanto o Sul e parte do Sudeste puxam a maior fatia do dinheiro e a forma como o crédito segue os mercados, já que nas cadeias em que há compradores regulares e agroindústria, o Pronaf apareceu com valores médios mais altos. Em cadeias menos estruturadas, o programa ficou residual, mesmo em territórios com muita agricultura familiar.
Contribuição
De acordo com o professor, os resultados oferecem subsídios práticos para técnicos, tomadores de decisão e gestores, tanto do mercado quanto de governos, além de sindicatos e movimentos sociais, ao explicitar onde e como o Pronaf operou de 2014 a 2024.
“No marco dos 30 anos do programa, o livro ajuda a compreender diferenças regionais, quantas famílias acessam e a quantidade de recurso por contrato, sustentando decisões de alocação de recursos, desenho de instrumentos regionalizados e a priorização por cadeias produtivas com maior potencial de impacto”, observa.
O volume ainda funciona como material educativo e de pesquisa, sendo útil para estudantes do ensino médio, da graduação e da pós-graduação, e servindo de apoio direto a pesquisadores e docentes.
Sobre o Pronaf
O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) é uma política pública criada pelo Governo Federal para apoiar pequenos produtores rurais em três frentes: crédito acessível, juros baixos e prazos adequados. Com os recursos, os produtores podem investir em compras de sementes, adubos e insumos; aquisição de máquinas, equipamentos e animais; implantação de sistemas de irrigação, entre outros.
Para ter direito ao Pronaf é preciso ter propriedade de até quatro módulos fiscais, utilizar predominantemente mão de obra da própria família, possuir renda familiar originada principalmente da atividade no campo, e residir no imóvel ou próximo a ele. O programa de crédito também pode ser utilizado por quilombolas e comunidades tradicionais rurais, povos indígenas, assentados da reforma agrária, jovens rurais (através do Pronaf Jovem); mulheres agricultoras (com linhas específicas de incentivo) e pescadores artesanais e extrativistas.
Universidade Federal do Espírito Santo