Estudantes neurodivergentes de diversos cursos da Ufes expõem obras de arte a partir desta quinta-feira, 4, no campus da Serra do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito (Ifes). Intitulada Olhar Neurodiverso, a mostra reúne 18 trabalhos de 11 artistas no hall de entrada da instituição. A abertura contará com apresentação musical da cantora Ilus, a partir das 19 horas. A exposição fica em cartaz até o dia 31 de maio, de segunda a sexta-feira, das 7 às 22 horas.
Composta por pinturas, desenhos, poemas e vídeos, a mostra tem curadoria de Angélica Reckel e produção de Déborah Corrêa, produtora cultural da Galeria de Arte e Pesquisa (GAP) da Ufes, que também participa com uma obra. Organizados no coletivo Atipicamente, os artistas, graduandos em cursos como Arquitetura, Música e Artes Visuais, compartilham condições neurológicas como autismo, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e dislexia.
“A ideia é dar voz a pessoas neurodivergentes, para que por meio das obras elas falem como se sentem e como a sociedade as trata”, explica Corrêa. “Por essas pessoas não mostrarem deficiências aparentes, é mais difícil que a sociedade acredite nelas. Só convivendo [com elas] que você vai perceber. Às vezes são pessoas com as quais a gente convive, mas não sabe. Precisamos ser mais empáticos, ajudar no que for possível”.
A parceria com o Ifes surgiu da vontade do Núcleo de Arte e Cultura (NAC) da instituição de levar obras de arte para o cotidiano do campus – um espaço sobretudo tecnológico. “Não fizemos na GAP por conta do calendário cheio”, afirma Corrêa. Há a intenção, agora, de levar as obras do coletivo para galerias e prédios da Ufes.
Escape
Estudante de Arquitetura, Mey Haruno tem TDAH e “nasceu artista”, como ela mesma define. “Nunca pensei em ser outra coisa além de artista”, ela diz, lembrando de sua paixão por mangás (histórias japonesas em quadrinhos) iniciada na infância. “Tenho hiperfoco e excesso de imaginação, que são termos usados para descrever estados de concentração intensa e sustentada por uma tarefa, como uma absorção completa. Então, eu diria que a arte é um dos meus hiperfocos (risos)”, afirma.
Autodidata na maior parte da trajetória como artista, Haruno enxerga o fazer artístico muitas vezes como um “escape necessário” do cotidiano. “As obras expostas são um aglomerado da criança ‘arteira’ constantemente reprimida por ser agitada demais, distraída demais”, diz. Viver com uma neurodivergência, ela afirma, é no mínimo desafiador: “É como apostar uma corrida em que todos estão na linha de partida, mas você tem um peso amarrado ao seu pé”.
Multiplicidade
Para o estudante de Artes Plásticas Pierre Queiroz, que tem transtorno de personalidade dissociativa (TDI), o processo criativo é uma forma de cada personalidade ser vista individualmente. “Fomos costurados juntos, forçados a compartilhar um corpo, mas deveríamos poder ser escutados mesmo assim”, diz.
Desde a infância, a arteterapia foi um método para compreender sua condição e suas emoções, diz Queiroz. Suas obras retratam a vivência com TDI e se dividem por diferentes linguagens, como fotografia e poesia. Segundo ele, apesar da multiplicidade de processos, a mensagem contida em todas as obras é a mesma: “Somos pessoas com sentimentos, com vivências, não os monstros ou seres exóticos que Hollywood mostra”.