Pesquisa aponta que mudanças climáticas podem provocar extinção de mamíferos de montanha

10/11/2025 - 15:46  •  Atualizado 11/11/2025 12:30
Texto: Sueli de Freitas     Edição: Thereza Marinho
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Foto do roedor Juliomys pictipes

As mudanças climáticas previstas para os próximos anos devem diminuir as zonas frias e úmidas das regiões de montanha no Brasil, ameaçando espécies de mamíferos que dependem das condições desses habitats para sobreviver. Isso é o que mostra o artigo O papel das mudanças climáticas no passado, presente e futuro de duas espécies de ratos neotropicais de montanha do gênero Juliomys, publicado na revista internacional Mammalian Biology. Conduzida pela bióloga Gabriela Mendonça, sob orientação dos professores do Departamento de Ciências Biológicas Ana Carolina Loss e Yuri Leite, a pesquisa foi realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas/Biologia Animal (PPGBAN) da Ufes.

Por meio de simulações a partir de dados sobre as mudanças climáticas desde o Último Glacial Máximo (há cerca de 21 mil anos) e usando projeções até o ano de 2070, os pesquisadores analisaram os impactos das mudanças climáticas para duas espécies de camundongos de focinho e garupa alaranjados que habitam a Mata Atlântica no leste do Brasil: Juliomys ossitenuis – roedor endêmico no Brasil, encontrado nos estados das regiões Sudeste e Sul –  e Juliomys pictipes (foto acima) – que tem maior ocorrência do sul do Espírito Santo até o norte do Rio Grande do Sul.

Os resultados mostram que a espécie J. pictipes, encontrada desde o nível do mar até 2 mil metros de altitude, consegue tolerar melhor as mudanças no clima, perdendo menos áreas climaticamente adequadas ao seu modo de vida. Já a espécie J. ossitenuis, que vive apenas em áreas acima de 800 metros de altitude, está mais vulnerável a riscos com o avanço do aquecimento global.

“Isso mostra que, apesar de compartilharem características parecidas, cada espécie responde de forma diferente às mudanças no clima por conta da faixa de altitude em que vivem e, consequentemente, das variações de temperatura e precipitação que toleram. Entender essas diferenças é essencial para pensar estratégias de proteção e conservação desses mamíferos únicos das montanhas brasileiras”, afirma o professor Leite.

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Espécies ameaçadas

Ampliando o foco da pesquisa no seu doutorado, novamente sob orientação dos professores Leite e Loss, Gabriela Mendonça buscou caracterizar as montanhas do Brasil em relação à variedade de mamíferos que ali vivem, o quanto essas áreas estão protegidas e os fatores naturais que influenciam a diversidade das espécies do grupo. O resultado está na tese Diversidade e vulnerabilidade de mamíferos de montanha frente às mudanças climáticas, que revela a ocorrência de 116 espécies de mamíferos não voadores nas montanhas brasileiras, sendo que 11 são exclusivas dessas regiões e oito são consideradas típicas de regiões montanhosas.

“Um dado preocupante é que cerca de um terço dessas espécies está incluída em alguma categoria de ameaça, e mais da metade das espécies exclusivas das montanhas estão em risco de extinção ou nem sequer há informações suficientes para que esse risco seja avaliado. Áreas mais bem estudadas, como a Mata Atlântica, apresentam maior riqueza de espécies. Em contraste, regiões de montanha do Cerrado e da Amazônia ainda possuem poucos dados disponíveis, dificultando um retrato completo da fauna de montanha”, afirmou Mendonça.

Para fazer o mapeamento, Mendonça utilizou um banco de dados global que reúne informações sobre montanhas de todo o mundo. Fatores como altitude, variação do relevo, volume de chuvas e temperatura foram apontados como aqueles que influenciam diretamente a presença e a diversidade de mamíferos nessas regiões. Já as atividades humanas, como  agricultura, e mudanças intensas no clima ao longo do ano tiveram efeitos negativos sobre a diversidade de mamíferos dessas áreas.

Embora a cobertura florestal ainda predomine nas montanhas brasileiras, apenas cerca de 9% das regiões de montanha mais ricas em biodiversidade estão protegidas por unidades de conservação ambiental. Além disso, só 30% dessas áreas coincidem com regiões consideradas prioritárias para a conservação.

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Foto da montanha Mestre Álvaro, no município de Serra/ES
Montanhas, como o Mestre Álvaro, no município de Serra/ES, são áreas-chave para a conservação da biodiversidade. (Foto: Yuri Leite)

Dentre as 116 espécies estudadas, 84 devem perder parte das áreas com condições climáticas adequadas para sobreviver, levando a um declínio progressivo na riqueza de espécies nas montanhas. As projeções para 2050 e 2070, que consideram diferentes cenários de aquecimento global e políticas de mitigação, indicam uma redução significativa dessas áreas, especialmente nos cenários mais extremos, afetando principalmente as espécies com áreas climáticas mais restritas. 

Urgência

Os dados indicam que, até 2070, a redução dessas áreas climaticamente adequadas pode chegar a 36% em cenários de maior impacto climático. “Enquanto algumas espécies podem encontrar novos locais adequados ou manter sua área de distribuição, a maioria está caminhando para uma retração. As perdas mais acentuadas devem acontecer na Mata Atlântica, bioma que abriga grande diversidade e riqueza de mamíferos de montanha, enquanto os pequenos ganhos aparecem em áreas periféricas das montanhas ”, diz Loss.

Ela destaca que “essas informações reforçam que as montanhas mais ricas em biodiversidade também são as mais vulneráveis às mudanças climáticas”. Por isso, complementa, “é urgente investir em estratégias de conservação, com foco especial nessas regiões, levando em conta a vulnerabilidade diferente entre as espécies, os efeitos combinados das pressões climáticas e humanas e a necessidade de ampliar a proteção efetiva desses ecossistemas sensíveis”.

Sobre as montanhas

Segundo os pesquisadores do PPGBAN, montanhas são áreas naturais marcadas por grande diversidade e complexidade, formadas ao longo do tempo por movimentos de placas tectônicas, atividades vulcânicas e processos de erosão. Elas mudam rapidamente e abrigam diferentes formas de vida, clima e tipos de solo, o que as tornam ecossistemas únicos, valorizados ambiental, econômica e socialmente.

Grande parte da água potável do mundo e outros recursos naturais vêm das montanhas, sustentando entre 500 e 900 milhões de pessoas. Esse ecossistema abriga cerca de um terço de todas as espécies terrestres e metade dos principais hotspots de biodiversidade (áreas de alta biodiversidade sob ameaça) do planeta, pois reúnem condições que favorecem espécies exclusivas e altamente especializadas.

No Brasil, as montanhas atravessam vários biomas e abrigam espécies únicas de mamíferos, muitas delas sensíveis às mudanças no clima. Porém, as mudanças climáticas e a ação humana, como desmatamento e alterações no uso da terra, já estão transformando rapidamente as montanhas e seus ecossistemas.

“Compreender como o clima pode mudar a vida nas montanhas é fundamental para proteger essas áreas e suas espécies”, afirma Leite.

Foto: Yuri Leite

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