Movimentos migratórios e herança genética: estudos na Ufes ajudam a decifrar identidade brasileira e predisposição a doenças

22/05/2025 - 18:13  •  Atualizado 22/05/2025 19:03
Texto: Jaqueline Vianna     Edição: Thereza Marinho
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Representação de células de DNA em 3D

Ao longo dos anos, os movimentos de imigrantes, muitas vezes atraídos por ciclos econômicos, somados aos povos originários indígenas e população africana, formaram a população do Espírito Santo e do Brasil, tal qual conhecemos hoje. As relações estabelecidas e as somas de DNAs resultaram na miscigenação que vai além das aparências: traçam nossos costumes, nossa identidade e até nossas referências genéticas que trazem informações valiosas para a ciência, como predisposição a doenças. Na Ufes, dois estudos de diferentes áreas vêm contribuindo para decifrar quem nos tornamos durante os últimos séculos.

Um dos estudos diz respeito à análise histórica dos movimentos migratórios no Estado, realizado pela professora do Departamento de Ciências Sociais e coordenadora do Laboratório de Estudos dos Movimentos Migratórios da Ufes, Maria Cristina Dadalto,  juntamente com o professor do Programa de Pós Graduação em Geografia Ednelson Mariano Dota. O outro é o estudo Saúde Indígena no Espírito Santo, coordenado pelo professor de Fisiologia no Centro de Ciências da Saúde da Ufes, José Geraldo Mill. O estudo capixaba contribuiu para o mais completo estudo sobre o mapa genético brasileiro, publicado recentemente pela revista Science.

Movimentos migratórios

A professora Maria Cristina Dadalto explica que o estudo relacionado aos movimentos migratórios ocorridos no Espírito Santo foi dividido em quatro períodos: entre 1810 e 1900, com a chegada dos primeiros imigrantes incentivados pela política colonial ao final do ciclo de imigração internacional; de 1910 a 1950, relacionada à expansão das frentes agrícolas colonizadoras do interior do estado e a ampliação da mobilidade nacional intra e interestaduais; de 1960 aos anos de 1990, articulando a política de erradicação do café e os investimentos produtivos nacionais e externos; e, por fim, a partir dos anos 2000 com o crescimento da indústria do petróleo, incentivado pelo crescimento econômico e populacional, inclusive pelo plano 20-25 estadual.

“No estudo fica muito evidente esses diferentes processos migratórios. Até o início do século XIX, a imigração de europeus era subdimensionada no Estado. Na época éramos uma província com várias regiões formando pequenas colônias, com uma população espalhada e alguma movimentação econômica, incluindo a população indígena em algumas regiões. A partir daí começamos a analisar o Oitocentos (período do século XIX marcado por diversos eventos, como a expansão cafeeira, a imigração de europeus, e a luta pela abolição da escravatura) e nesse período a migração europeia diz muito do resultado da pesquisa. Tivemos uma maioria de imigrantes italianos, além de imigrantes internos, especialmente das regiões fronteiriças do Rio de Janeiro e Minas Gerais, que começaram a vir para a produção de café e também extração de madeira. Grandes fazendeiros expandiram suas terras por aqui trazendo pessoas escravizadas e população miscigenada”, diz ela.

O terceiro momento, de 1960 a 1990, marca o êxodo rural como resultado da política de erradicação dos cafezais e um período de intensa emigração em nível estadual com a implementação de novos fluxos migratórios com base na industrialização provocada pelos grandes projetos implantados na Grande Vitória. Tal evento gerou a Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV). “Muitos migrantes nacionais chegam ao Estado nessa época, gerando um grande crescimento populacional com grande concentração na região urbanizada”, diz.

Por fim, no quarto período analisado, temos a mobilidade de 2000 a 2010, realizada com a gestação e implementação do plano estadual conhecido como 20-25 e o crescimento da indústria do petróleo, resultando na abertura comercial da economia do país e das privatizações. Outro fato que têm fortalecido e modificado os ciclos de migração inter e intraestadual no Espírito Santo foi a inserção de 28 municípios do norte do estado na Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). 

“Nossa hipótese é a de que as políticas estatais foram as principais condicionantes dos fluxos migratórios do Espírito Santo ou que nele se originaram ou se destinaram. Essas políticas impulsionaram o deslocamento da concentração de riquezas do interior, junto à classe rural do estado no período da colonização até os anos de 1960 para a Grande Vitória. Foram elas, em diferentes contextos históricos, que gestaram a transformação sociocultural, econômica e política do estado, sendo a redistribuição espacial da população uma de suas faces”, destaca.

Mapa genético brasileiro

Esses processos migratórios promovidos por ciclos econômicos resultam em novas conexões entre pessoas de diferentes etnias, resultando em uma população com heranças genéticas de vários povos. Recentemente, um estudo considerado o mais completo sobre o mapa genético brasileiro e publicado esta semana na revista Science, teve a contribuição de um estudo capixaba, realizado na Ufes pelo professor de Fisiologia no Centro de Ciências da Saúde da Ufes, José Geraldo Mill.

O professor explica que a pesquisa analisou os genomas completos de 2.723 pessoas como parte do projeto DNA do Brasil, e inclui indivíduos de comunidades urbanas, rurais e ribeirinhas das cinco regiões geográficas do País. O Espírito Santo contribuiu com amostras biológicas da população indígena de Aracruz, coletadas a partir do estudo Saúde Indígena no Espírito Santo, coordenado por ele.

“O estudo precisava de diversas amostras de diferentes etnias, então o Espírito Santo pôde contribuir com as amostras que já tínhamos, da população indígena, quando nos propomos a monitorar a saúde daquela população. Mais de 10 instituições contribuíram nesse processo em todo Brasil. A partir dessas amostras, encaminhadas para a Universidade de São Paulo (USP), foi feito o sequenciamento de genoma, lido e comparado com outros bancos. No total, mais de 2.700 amostras foram analisadas em todo o Brasil.

A pesquisa revela mais de oito milhões de variantes genéticas desconhecidas até hoje. A maior parte da amostra estudada apresenta cerca de 60% de ancestralidade europeia, 27% africana e 13% nativa. As maiores porcentagens de ancestralidade africana estão no Norte e no Nordeste do País, enquanto as europeias se concentram no Sul e no Sudeste.

“É interessante observar que toda a movimentação migratória fica escrita em nosso DNA. Através desse estudo, pudemos perceber, por exemplo, que a miscigenação é mais realizada ao longo da história pela via da mulher. Isto é, foi mais comum o homem branco se relacionar com mulheres indígenas e negras do que a mulher branca se relacionar com homens dessas etnias. Isso é importante do ponto de vista histórico e também do ponto de vista biológico atual, pois muitas doenças - ou mesmo resistência a certas doenças - são típicas de uma etnia ou outra e são herdadas por via maternal ou paternal, conforme o caso. Então podemos perceber, através do estudo de genoma, o perfil e as predisposições das doenças, tendo possibilidade de influenciar na política de saúde”, diz o professor.

Foto: Freepik

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