Estudos demonstram elevada mortalidade de morcegos por atropelamento na BR-101

28/07/2021 - 18:11  •  Atualizado 30/07/2021 17:41
Compartilhe

Os estereótipos e curiosidades em relação aos morcegos estão presentes na imaginação de grande parte das pessoas, cujo senso comum fantasia e associa esses animais a vampiros, como na ficção, provocando medo e repulsa a essa espécie. Esses mamíferos, com estruturas que os permitem voar, povoam abundantemente a megabiodiversidade das reservas de Sooretama, que são cobertas pela Mata Atlântica e estão localizadas no norte do Espírito Santo. Estudos desenvolvidos por pesquisadores da Ufes, porém, demonstram elevada mortalidade faunística de morcegos daquela região, entre outros animais sivestres da floresta, causada por atropelamentos no trecho de 25 quilômetros da BR-101 que atravessa essa área capixaba protegida, com forte impacto negativo na biodiversidade global.

O professor Aureo Banhos, do Departamento de Ciências Biológicas do Centro de Ciências Exatas, Naturais e da Saúde (CCENS), do campus de Alegre, participa do projeto de pesquisa. Ele explica que os morcegos desempenham papel ecológico importante porque fornecem serviços ecossistêmicos como polinização, dispersão de sementes e controle de insetos. “O entorno das reservas de Sooretama é formado por uma matriz agrícola composta por cacau, café, mamão, maracujá, pimenta, eucalipto e outras culturas, e os serviços ecossistêmicos prestados pelos morcegos à agricultura na região podem ficar comprometidos devido às altas taxas de atropelamentos”, adverte.

“A alta mortalidade de morcegos insetívoros é preocupante, porque esses animais são importantes predadores e controladores de populações de pragas agrícolas”, completa o pesquisador. De acordo com Banhos, os morcegos insetívoros são os mais afetados porque são atraídos para o ambiente da estrada para predar insetos. Estes, por sua vez, são atraídos pela iluminação dos veículos e devido à clareira da estrada. Além disso, segundo ele, os morcegos mais atingidos pelos carros são os de voo de áreas abertas, com pouca manobrabilidade e que não conseguem se desviar da colisão com os veículos.

Hábitos alimentares

A conclusão do estudo está contida no artigo científico publicado neste mês pelos pesquisadores na edição especial da revista Diversity, do Multidisciplinary Digital Publishing Institute (MDPI), em que aborda os impactos da infraestrutura de transportes na biodiversidade em economias emergentes. Os pesquisadores analisaram dados coletados no trecho da rodovia no período de 2010 a 2015. A partir dos hábitos alimentares, foram identificadas as espécies classificadas como insetívoros, frugívoros, carnívoros, onívoros e nectarívoros.

Com 71 espécies identificadas, as reservas de Sooretama possuem a maior diversidade de morcegos conhecida na Mata Atlântica, sendo que 47 delas são afetadas por atropelamentos na região. “De 100 espécies conhecidas como vítimas no mundo, 47 foram atropeladas em Sooretama, o que é o maior índice mundial”, pontua Banhos. No período pesquisado, o estudo quantificou 773 morcegos mortos por impacto de veículos.

O objetivo do estudo é identificar o uso dos recursos alimentares e o tipo de voo mais frequente. Também busca avaliar se há um padrão sazonal nas taxas de atropelamentos, além de avaliar a eficiência dos métodos de monitoramento de morcegos atropelados, e se a presença de radares eletrônicos de controle de velocidade diminui a taxa de atropelamentos. “O estudo destaca que as estradas e rodovias representam ameaças consideráveis ​​para a conservação da biodiversidade, porque contribuem para a perda de habitat, poluição química e sonora, fragmentação de paisagens, movimento e restrições de dispersão de organismos, e para a redução do fluxo gênico, além do aumento de risco e de extinção de populações faunísticas”, explica a pesquisadora Greiciane Paneto, professora do Departamento de Farmácia e Nutrição do CCENS.

Segundo a professora, o problema mais evidente dos atropelamentos de animais em Sooretama é que eles reduzem diretamente as populações selvagens, indo além da mortalidade causada pela caça ou pela perda de habitat. “No caso da BR-101, o impacto sobre os morcegos é uma das principais preocupações para a conservação desse grupo”, assinala.

O estudo revela que o bioma Mata Atlântica possui uma variedade com 117 espécies conhecidas de morcegos. Os pesquisadores, porém, advertem que se trata de uma das áreas de biodiversidade mais ameaçadas do mundo. “O intenso fluxo rodoviário na malha implantada é a principal causa da devastação”, observa Greiciane Paneto. A Reserva Biológica de Sooretama, a Reserva Natural Vale e outras reservas particulares constituem o maior complexo florestal contíguo no Corredor Central da Mata Atlântica.

Mudança da rodovia

Sooretama significa “terra dos animais da floresta” na língua nativa brasileira tupi-guarani. A região norte capixaba faz parte do Sítio do Patrimônio Mundial denominado Reservas da Costa do Descobrimento da Mata Atlântica, que evidencia a riqueza biológica e a história evolutiva das poucas áreas remanescentes do norte do Espírito Santo e sul da Bahia. A área florestal é o maior fragmento de Mata Atlântica de Tabuleiro do país ­– formação vegetal ao longo da costa brasileira, do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Norte, com espécies endêmicas de flora e fauna –, com 53 mil hectares.

Historicamente, cientistas e ambientalistas defendem a realocação do trecho que atravessa as reservas para o noroeste da região, fora da área de influência da floresta protegida, a partir do projeto de duplicação da pista a ser executado pela empresa concessionária da rodovia. O projeto está em processo de discussão no âmbito do poder público federal e estadual. Financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), a pesquisa integra o projeto Modelo preditivo de impactos das estradas sobre a biodiversidade: avaliação dos impactos da Rodovia BR-101 sobre a fauna de vertebrados silvestres da Rebio de Sooretama.

Além dos professores Aureo Banhos e Greiciane Paneto, o projeto também é integrado pelos seguintes pesquisadores: Alexandre Santos, professor do Departamento de Engenharia Rural do Centro de Ciências Agrárias e Engenharias (CCAE); Albert David Ditchfield, professor do Departamento de Ciências Biológicas do Centro de Ciências Humanas e Naturais (CCHN); Lucas Reis, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (UnB); Laís Ferreira, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas (PPGCB) da Ufes; Vinícius Pimenta, do PPGCB da Ufes; e Helena Godoy Bergallo, do Departamento de Ecologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

 

Texto: Luiz Vital
Imagens: Lucas Damásio e João Marcos Rosa
Edição: Thereza Marinho