“Agradeço esse reconhecimento e peço que cada vez mais pessoas negras possam ser reconhecidas em suas qualidades e em suas potências”. A afirmação é da mais recente doutora honoris causa pela Ufes: a escritora, linguista e professora Conceição Evaristo. O título é a maior honraria concedida por instituições de ensino superior a pessoas reconhecidas por sua contribuição em áreas como cultura e educação.
A sessão solene foi realizada na noite de terça-feira, dia 15, no Teatro Universitário, que ficou lotado de estudantes, professores, técnicos administrativos, entidades do movimento negro, parlamentares municipais, estaduais e federais, representantes do movimento estudantil, de órgãos governamentais, de direitos humanos e de movimentos sociais, entre outros que prestigiaram o evento. Ao entrar no Teatro, a escritora foi ovacionada pelo público.
Abrindo a solenidade, o coral do Instituto Serenata d'Favela fez uma apresentação que emocionou o público, interpretando o rap Canção Infantil, de Cesar MC. Depois, Conceição Evaristo foi conduzida à mesa por representantes dos proponentes do título honorífico, uma iniciativa apresentada formalmente ao Conselho Universitário pelo Departamento de Serviço Social da Ufes, em parceria com o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) da Universidade, e com adesão de um conjunto de entidades e organizações do movimento negro.
Além de Conceição Evaristo, compuseram a mesa o reitor Eustáquio de Castro, presidente da sessão solene; a vice-reitora Sonia Lopes; o professor Robson Zuccolotto, presidente do Conselho de Curadores da Universidade; e a professora Rita Lima, representante da comissão proponente do título (foto principal).
As professoras e pesquisadoras do Neab/Ufes Luizane Guedes e Maria Helena Elpídio, também representando a comissão proponente, apresentaram a história de Evaristo e destacaram a importância da concessão da honraria à escritora.
Após os procedimentos protocolares, Evaristo iniciou seu discurso oferecendo o título às crianças do Instituto Serenata d'Favela. “São essas crianças e jovens que irão continuar a nossa luta. Nós, mais velhos, oferecemos a essas crianças um bastão, para eles irem adiante. E falamos que elas começam a luta a partir de um lugar que, no nosso tempo, na nossa infância, não nos foi dado”.

Ao se referir à realidade dos jovens negros, ela afirmou: “se nós lamentamos a morte de uma juventude negra, nós celebramos também crianças e jovens que fazem uma escrevivência [abordagem metodológica criada pela escritora, que define uma escrita baseada em vivências e experiências] a partir da música, a partir do texto que contam da favela, da casa, e encenam essa realidade. Elas têm um discurso crítico dessa realidade através da música. Eu acho que a gente tem, apesar de todas as dificuldades, uma geração potente”.
“O Brasil tem jeito”
Evaristo, que tem 78 anos, destacou que é grata pela vida ter lhe possibilitado esse reconhecimento enquanto está lúcida e declarou sua esperança no país. “É muito bom ver esse auditório cheio e dizer que, mesmo com todos os percalços que nós temos vivido, eu acho que o Brasil tem jeito. Eu saio daqui muito feliz com esse meu título e também fico muito feliz porque certifica para mim que a educação é um lugar de transformação”.
O reitor Eustáquio de Castro encerrou a solenidade reafirmando a importância da professora para a Universidade. “É uma honra para a Ufes conceder a maior distinção de uma universidade à senhora. Esse é um momento histórico porque, ao reconhecê-la, esta universidade também se reconhece. Reconhece a urgência de escutar outras vozes, de valorizar outras epistemologias, de dar lugar àquilo que por tanto tempo foi silenciado. Professora, a senhora nos ensina que a palavra não é apenas instrumento, mas também testemunha e potência de mudança. Que a escrita pode ser abrigo, denúncia, resistência, e também cura. E que a literatura, a sua literatura, é uma forma de nos convocar à responsabilidade ética com as vidas negras, com as mulheres negras, com o povo negro desse país”.
E continuou: “a sua escrevivência vem de longe. Vem das vozes de mães, avós, anciãos, das marcas nos corpos e nas páginas de histórias que foram escondidas, mas não esquecidas. Com sua escrevivência, a senhora tem ajudado a trazer luz a essa história, nomeando-as com dignidade. Hoje, nós aqui presentes queremos dizer que esse título não é uma concessão, mas sim um reconhecimento e uma reverência à senhora e a toda a sua vida. Certamente, isso ecoará pela história da nossa Universidade”.

O reitor também lembrou que a Ufes, além das cotas para professores, aprovou no final do ano passadoa oferta obrigatória de duas vagas anuais para indígenas em todos os seus cursos de graduação.
Homenagens
Após o encerramento da sessão solene, a doutora honoris causa recebeu homenagens do Centro Acadêmico Livre de Ciências Sociais Conceição Evaristo, da Associação dos Docentes da Ufes (Adufes), do Neab e da curadora da exposição Eu, Mulher Preta?, Marilene Pereira, que presenteou a homenageada com um quadro com sua imagem.
Fotos: Ana Cristina Oggioni e Serena Singulani