Conceição Evaristo: "que pessoas negras possam ser reconhecidas em suas potências"

16/04/2025 - 20:28  •  Atualizado 17/04/2025 11:20
Texto: Sueli de Freitas     Edição: Thereza Marinho
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Foto da mesa de honra, com o reitor mostrando o título concedido a Conceição Evaristo

“Agradeço esse reconhecimento e peço que cada vez mais pessoas negras possam ser reconhecidas em suas qualidades e em suas potências”. A afirmação é da mais recente doutora honoris causa pela Ufes: a escritora, linguista e professora Conceição Evaristo. O título é a maior honraria concedida por instituições de ensino superior a pessoas reconhecidas por sua contribuição em áreas como cultura e educação.

A sessão solene foi realizada na noite de terça-feira, dia 15, no Teatro Universitário, que ficou lotado de estudantes, professores, técnicos administrativos, entidades do movimento negro, parlamentares municipais, estaduais e federais, representantes do movimento estudantil, de órgãos governamentais, de direitos humanos e de movimentos sociais, entre outros que prestigiaram o evento. Ao entrar no Teatro, a escritora foi ovacionada pelo público.

Abrindo a solenidade, o coral do Instituto Serenata d'Favela fez uma apresentação que emocionou o público, interpretando o rap Canção Infantil, de Cesar MC. Depois, Conceição Evaristo foi conduzida à mesa por representantes dos proponentes do título honorífico, uma iniciativa apresentada formalmente ao Conselho Universitário pelo Departamento de Serviço Social da Ufes, em parceria com o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) da Universidade, e com adesão de um conjunto de entidades e organizações do movimento negro.

Além de Conceição Evaristo, compuseram a mesa o reitor Eustáquio de Castro, presidente da sessão solene; a vice-reitora Sonia Lopes; o professor Robson Zuccolotto, presidente do Conselho de Curadores da Universidade; e a professora Rita Lima, representante da comissão proponente do título (foto principal).

As professoras e pesquisadoras do Neab/Ufes Luizane Guedes e Maria Helena Elpídio, também representando a comissão proponente, apresentaram a história de Evaristo e destacaram a importância da concessão da honraria à escritora.

Após os procedimentos protocolares, Evaristo iniciou seu discurso oferecendo o título às crianças do Instituto Serenata d'Favela. “São essas crianças e jovens que irão continuar a nossa luta. Nós, mais velhos, oferecemos a essas crianças um bastão, para eles irem adiante. E falamos que elas começam a luta a partir de um lugar que, no nosso tempo, na nossa infância, não nos foi dado”.

Foto de Conceição Evaristo posando para foto com as crianças do coral do Instituto Serenata D'Favela
Conceição Evaristo e as crianças do coral do Instituto Serenata D'Favela

Ao se referir à realidade dos jovens negros, ela afirmou: “se nós lamentamos a morte de uma juventude negra, nós celebramos também crianças e jovens que fazem uma escrevivência [abordagem metodológica criada pela escritora, que define uma escrita baseada em vivências e experiências] a partir da música, a partir do texto que contam da favela, da casa, e encenam essa realidade. Elas têm um discurso crítico dessa realidade através da música. Eu acho que a gente tem, apesar de todas as dificuldades, uma geração potente”.

“O Brasil tem jeito”

Evaristo, que tem 78 anos, destacou que é grata pela vida ter lhe possibilitado esse reconhecimento enquanto está lúcida e declarou sua esperança no país. “É muito bom ver esse auditório cheio e dizer que, mesmo com todos os percalços que nós temos vivido, eu acho que o Brasil tem jeito. Eu saio daqui muito feliz com esse meu título e também fico muito feliz porque certifica para mim que a educação é um lugar de transformação”.

O reitor Eustáquio de Castro encerrou a solenidade reafirmando a importância da professora para a Universidade. “É uma honra para a Ufes conceder a maior distinção de uma universidade à senhora. Esse é um momento histórico porque, ao reconhecê-la, esta universidade também se reconhece. Reconhece a urgência de escutar outras vozes, de valorizar outras epistemologias, de dar lugar àquilo que por tanto tempo foi silenciado. Professora, a senhora nos ensina que a palavra não é apenas instrumento, mas também testemunha e potência de mudança. Que a escrita pode ser abrigo, denúncia, resistência, e também cura. E que a literatura, a sua literatura, é uma forma de nos convocar à responsabilidade ética com as vidas negras, com as mulheres negras, com o povo negro desse país”.

E continuou: “a sua escrevivência vem de longe. Vem das vozes de mães, avós, anciãos, das marcas nos corpos e nas páginas de histórias que foram escondidas, mas não esquecidas. Com sua escrevivência, a senhora tem ajudado a trazer luz a essa história, nomeando-as com dignidade. Hoje, nós aqui presentes queremos dizer que esse título não é uma concessão, mas sim um reconhecimento e uma reverência à senhora e a toda a sua vida. Certamente, isso ecoará pela história da nossa Universidade”.

Conceição Evaristo com as alunas, professoras e representantes do Movimento Negro que lhe renderam homenagens
Ao final da cerimônia, Conceição Evaristo recebeu homenagens de alunas, professoras e representantes do Movimento Negro

O reitor também lembrou que a Ufes, além das cotas para professores, aprovou no final do ano passadoa oferta obrigatória de duas vagas anuais para indígenas em todos os seus cursos de graduação.

Homenagens

Após o encerramento da sessão solene, a doutora honoris causa recebeu homenagens do Centro Acadêmico Livre de Ciências Sociais Conceição Evaristo, da Associação dos Docentes da Ufes (Adufes), do Neab e da curadora da exposição Eu, Mulher Preta?, Marilene Pereira, que presenteou a homenageada com um quadro com sua imagem.

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Fotos: Ana Cristina Oggioni e Serena Singulani

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